quinta-feira, 2 de outubro de 2008

DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS - MUDANÇA DE TÁTICA, MAS NÃO DE OBJETIVO

Introdução:


Eu iria escrever um artigo sobre a nova tática do governo para lidar com a demarcação das terras indígenas, especiamente no que se refere à Raposa da Serra do Sol, em Roraima, que tem estado mais em evidência no noticiário dos últimos dois meses. Procurava as palavras certas para me referir ao assunto e, confesso, tive um pouco de receio em ser a primeira a levantar a hipótese de que toda essa oratória do governo sobre 'a Amazônia tem dono', 'vamos colocar bases militares nas reservas', tudo isso seria para confundir o povo brasileiro (infelizmente, para o governo, alertado pelo Exército, na voz do General Heleno) e os juizes do Superior Tribunal Federal que decidirão sobre a constitucionalidade da demarcação da Raposa da Serra do Sol em terras contínuas, como homologado pelo presidente Lula, em 2005. Pior: poderia ser uma tática para permitir que alguns dos juízes do STF (o que poderia vir a ser a maioria deles) justificasse seu parecer favorável à demarcação contínua, alegando estar baseado em compromissos publicamente estabelecidos pelo governo.


Um giro de 180 graus no discurso do governo não pareceu ter sido explictamente identificado pela mídia de grande alcance, que passou a reproduzir estas novas falas como se, de repente, estivéssemos estado todos os brasileiros sempre do mesmo lado nessa questão, como se não tivesse sido o presidente Lula quem homologou a Raposa do Sol em terras contínuas e como se não tivesse sido esse governo o que assinou a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, na ONU. Paira no ar a tentativa de iludir a opinião pública com a impressão de que estaríamos todos unidos contra um inimigo externo comum - simplesmente como se as atitudes que afligem a integridade territorial e a soberania nacionais não tivessem partido de gente brasileira, que vive no Brasil, que governa o país.


Felizmente, não sou a única a pensar desta forma. Também não preciso mais escrever um longo artigo sobre isso. Está tudo aí embaixo, no excelente artigo de Luís Mauro.


Rebecca Santoro


Um Governo Desesperado


Luís Mauro Ferreira Gomes

Coronel-Aviador reformado

2 de junho de 2008


O Presidente da República disse que o povo não sabe o que é dossiê, para insinuar, na sua lógica deformada, que, por isso, é irrelevante se sua ministra serviu-se de um deles para chantagear integrantes da oposição que pesquisavam irregularidades nos gastos com os cartões ditos corporativos do governo, inclusive, os seus próprios e os de seus familiares.


É verdade, a parcela alienada que o apóia não sabe o que é dossiê, mas esqueceu-se o presidente de que essas mesmas pessoas também não sabem o que são terras indígenas nem o que é Raposa-Serra do Sol.


Mas a parte esclarecida da sociedade brasileira, a que tem o poder de reverter as políticas suicidas desse governo deletério, sabe-o muito bem e, finalmente, deu mostra de que está disposta a defender, até as últimas conseqüências, os interesses nacionais ameaçados por governantes esquecidos dos seus deveres constitucionais.


Por outro lado, a insistência irracional com que o presidente e uma minguada meia dúzia de auxiliares, todos diretamente comprometidos com o processo questionado, colocam-se contra a vontade da Nação – manifestada por meio da quase unanimidade dos formadores de opinião, dos intelectuais, dos militares, dos meios de comunicação, e, até mesmos, dos ministros do Supremo Tribunal Federal – sugere que as vastas terras fronteiriças que pretendem destinar a uns poucos índios já foram, secretamente, alienadas, Deus saberá em troca de quê.


Chegada a hora de cumprir o trato e colocar à disposição dos interessados o produto do esbulho do nosso sagrado território, eis que a Nação desperta, e toda a presumível negociata fica ameaçada.


Somente isso explicaria o desespero do governo que, inicialmente, tentou calar o General Heleno, ameaçando-o com punição, mas a covardia de sempre levou ao vergonhoso retrocesso, com a divulgação de que o presidente tinha aceitado as explicações do General – explicações que ninguém viu, mesmo porque, nunca houve.


Não é preciso procurar muito para encontrarmos várias manifestações do que acabamos de dizer.


– O presidente tentou coagir, explicitamente, os ministros do Supremo Tribunal Federal, mandando que índios, manipulados por ONG, a serviço da causa espúria, pressionassem os integrantes da nossa mais alta corte.


– Seguindo esse exemplo, o ministro da Justiça partiu para a truculência e, tudo indica, “montou o circo”, induzindo alguns índios a invadirem as terras dos rizicultores. Com a arbitrariedade e o maniqueísmo que lhe são peculiares, mandou a sua “Gestapo” prender as vítimas, enquanto confraternizava com os criminosos, que diziam não respeitar a decisão do STF e que expulsariam os arrozeiros, fosse qual fosse a deliberação daquela corte. Em vez de reprimir os índios baderneiros, o ministro demonstrou o pouco respeito que tem pela Justiça, garantindo-lhes que a demarcação das terras continuaria como estava. Talvez pretendesse, com a arrogância, mostrar aos ministros do Supremo que as conseqüências seriam menos graves se preferissem aceitar as imposições do governo a ouvir a Nação. Também não deu certo. E o ministro, simplesmente, saiu de cena.


– O presidente e seus auxiliares ensaiaram, então, uma mudança radical em suas posições. Se, antes, diminuíram a importância do alerta do General Heleno – que traduziu o pensamento dos militares e de todos os brasileiros lúcidos – e afirmaram que não havia risco para a soberania nacional na Amazônia, passaram a gritar, aos quatro ventos, que “a Amazônia brasileira tem dono”, em resposta a matéria do New York Times, que, normalmente, seria, por eles, ignorada. E quem a ela se referisse, seria logo acusado de paranóico.


– O governo promoveu, ainda, um ridículo reajuste nos soldos, atrasado, pelo menos, dois anos, na vã esperança de que isso calasse os militares. A esta altura, já devem ter percebido que estes não se deixam subornar como aqueles com os quais costumam conviver.


– Diante da gravidade da situação, que se apresentava sem saída para o governo, o líder do MST, João Pedro Stédile, em uma entrevista contraditória no programa Canal Livre, da TV Bandeirantes, expressou o desejo de trabalhar junto com as Forças Armadas, chegando, mesmo, a pedir, para tanto, o apoio do General Heleno.


– Um dos primeiros indícios dessa mudança drástica da postura governamental, deu-nos o senador Romero Jucá, líder do governo no Senado, que vem trabalhando para conseguir, no STF, uma demarcação que respeite as áreas de interesse econômico do Estado de Roraima, contrariando o discurso do ministro da Justiça. Infelizmente, trata-se, apenas, de mais uma tentativa de salvar o projeto original, fazendo pequenas concessões para preservar, as absurdas extensões das terras indígenas.


– Já, ultimamente, pessoas ligadas ao governo, ou por estas contratadas, passaram a desfraldar a bandeira da soberania, palavra que não conhecem ou cujo significado sempre procuraram esvaziar.


O Fantástico de ontem, 1º de junho, trouxe uma grande reportagem de 23 minutos, em que a ABIN – que nestes últimos tempos somente se tem preocupado com o sigilo dos gastos do presidente, de seus parentes e de seus ministros, resolveu divulgar o relatório da investigação que fizera sobre a compra de grandes extensões de terra na Amazônia, por certo empresário estrangeiro (relatório que provavelmente jamais viria a público, se o governo não quisesse vender a falsa imagem de defensor dos interesses nacionais). A matéria procurou mostrar que a iniciativa era do governo, que, supostamente, estaria preocupado com aquilo que, até a semana passada, negava com todo o empenho. Revelando grande criatividade, a produção do programa conseguiu, nele, dedicar dois minutos e trinta segundos ao presidente, que se mostrou caricato, como sempre, desta vez, brincando com um carrinho de plástico, enquanto se deslumbrava diante das câmaras. Deve-se destacar que a apresentação se deu de forma contínua, sem comerciais, sugerindo tratar-se de matéria paga.


É impressionante a capacidade que o presidente tem de “entregar os dedos para não perder os anéis”, sempre que não lhe restam outras opções.


Parece claro que o objetivo desesperado de tudo isso é mostrar aos ministros do STF que não há com que se preocupar, que o poder executivo está atento na defesa da nossa integridade territorial e da nossa soberania, que é mais “seguro” ficar com o governo e, que podem, portanto, decidir com tranqüilidade, pela demarcação contínua das terras indígenas.


Resta-nos esperar que o STF não se submeta a tais pressões e se abstenha de qualquer solução salomônica, pois estas são geralmente as piores possíveis, já que não preservam o essencial: a vida da criança.


Demarcar pequenas ilhas de Estado dentro de enormes terras indígenas, longe de resolver o problema, criará, ou melhor, preservará uma situação que, mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente, se resolverá pela violência.


Para o bem do Brasil, a demarcação das terras indígenas deverá ser declarada inconstitucional, pondo-se fim à trajetória de inconstitucionalidades do governo federal.


Se reservas indígenas forem indispensáveis, que sejam constituídas por pequenas ilhas dentro do Estado, e bem distantes das nossas fronteiras.


Se uns poucos índios aculturados, instigados por interesses alienígenas, estão dispostos a atentar contra a soberania e a integridade territorial nacionais, nós, os brasileiros, estamos decididos a defendê-las, contra tudo e contra todos, com o sacrifício da própria vida, se preciso for.

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