quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Roraima, arroz e banho de sangue

PF pronta para desocupar reserva indígena. Exército só deverá intervir no último caso

Vasconcelo Quadros


Brasília


Responsável pela formação do pensamento militar sobre as questões relacionadas à Amazônia, o Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (Cebres), integrado por militares da reserva, é contra a retirada de não índios da Reserva Raposa/Serra do Sol, em Rondônia. E alerta para a probabilidade de um conflito sangrento de conseqüências imprevisíveis na região, caso o governo mantenha a decisão de executar a Operação Upatakon III, já anunciada pela Polícia Federal para esta semana.


– O risco de um confronto é concreto – afirmou o coronel Amerino Raposo Filho, vice-presidente do Cebres.


Ele frisa que o impasse parece insuperável e resulta de duas posições aparentemente sem recuo: a decisão de governo e a resistência dos arrozeiros – apoiados por parte dos índios e da população contrária a reserva em área contínua. O militar diz que, se houver mortes e o confronto escapar ao controle das forças de segurança do governo, o Exército deve intervir como força de paz e interromper a operação, mesmo sem ordens superiores.


Missão constitucional


– Se houver derramamento de sangue, o Exército deve entrar no conflito. É uma faixa de fronteira e essa é sua missão constitucional. Se ocorrer a quebra do equilíbrio social na área, a ordem independe do governo. Se trataria de uma questão de Estado de responsabilidade das Forças Armadas – diz o coronel.


A assessoria de comunicação do Exército, em Brasília, informou que a operação é uma atribuição do Ministério da Justiça e, por essa razão, as Forças Armadas deixaram de participar dos preparativos e se recusaram a emprestar o apoio logístico. Nos bastidores, militares que acompanham o conflito no Rio e em Brasília, dizem que o comandante do Exército, Enzo Peri, teria informado pessoalmente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que a retirada de não índios da área desagrada à área militar. Ao contrário de outros momentos – em que normalmente exerce papel ativo de apoio à outras instituições ou prestando serviços sociais –, o Exército assumiu agora uma postura de neutralidade relativa.


– É necessário observar com cautela. Se o Exército não quer participar é porque o problema é muito grave – diz o economista Marcos Coimbra, conselheiro do Cebres, professor e estudioso do assunto.


Entrar e ocupar


Segundo ele, é provável que o setor de inteligência da força avalie a hipótese de conflito e a possibilidade de a Polícia Federal e a Força Nacional de Segurança não conseguirem controlá-lo.


– Nesse caso, o Exército se preserva para poder entrar, ocupar o território desarmar as partes envolvidas no conflito e ficar na área, afastando quem não for da região –, afirma Coimbra.


Na avaliação do Cebres, o que acontecer na próxima semana em Roraima será o emblema de um conflito mais amplo, onde estarão em jogo dois pensamentos sobre o controle da região amazônica e suas riquezas. Esses militares acham que a demarcação em área contínua quebra a linha de controle que as Forças Armadas exercem na região por abrir um vazio demográfico de mais de 10 milhões de hectares – unindo a Raposa/Serra do Sol à Reserva Ianomâmi numa extensão de 100 mil quilômetros quadrados – e abre caminho para a decretação de uma nação indígena independente, com interferência de Organizações Não Governamentais (ONGs) estrangeiras de orientação americana.


– De um lado estarão os nacionalistas que defendem a soberania e a integridade do território e, do outro, as elites porcas, que se corrompem em troca de dólares – ataca o coronel Raposo Filho.


Outro militar do Cebres, o coronel Gélio Fregapani, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na região e autor de vários estudos sobre o conflito, lembra que o Brasil é o único signatário de resolução recente da ONU prevendo a formação de uma nação indígena independente na região, o que abriria caminho para a perda de um significativo pedaço da Amazônia brasileira e de suas riquezas minerais.


– As gerações de amanhã vão perder 56% do território nacional, o coração da terra no século 21 – alerta Raposo Filho.


Uma vez consumada a operação, o governo de Roraima terá controle sobre pouco mais de metade de seu território. As reservas indígenas na região alcançarão cerca de 10,6 milhões de hectares ou o equivalente a 46% de sua área geográfica. No subsolo da área indígena, conforme estudos geológicos, estará localizada uma das maiores e mais valiosas reservas minerais do mundo em ouro, pedras preciosas e minério estratégico.

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